Duas linhas paralelas
A um amigo…
Não foi o final da relação. Isso já tinha ocorrido uns meses
antes. O que aconteceu naquele dia foi mesmo o fim da linha. Já não havia
horizonte para lá do que restou daquelas últimas e definitivas palavras. Foi um
novo final, mas, agora, definitivo. Uma sentença que transitou em julgado, sem
direito a recurso.
O primeiro final, a antecâmara do definitivo, foi um fim envolto
na esperança de um recomeço. Havia uns fumos de futuro e a esperança de um caminho
ainda para fazer. Ela mesma considerou e alimentou essa possibilidade. E isso
deixou tudo em aberto: no meio daquela súbita inquietação, resistiu uma doce expectativa
de recomeço.
Mas naquele dia chegou o que parecia estar para sempre afastado:
o fim. O fim com letras marcadas a fogo. As palavras que ali foram ditas não
deixaram espaço a equívocos: era mesmo o fim. Para lá desse dia, o horizonte terminava
num muro intransponível e numa densa escuridão. Um muro impossível de transpor.
Umas trevas que cegavam e desorientavam. Ultrapassá-los estava muito para além
de toda e qualquer força.
O mundo, para quem é deixado para trás, é uma coisa estranha
e assustadora. Num momento, fica-se indefeso, desvalido, frágil. Pisa-se o chão
a medo, como uma criança que se aventura nos primeiros passos, ou como um
enfermo acometido de vertigens. Olha-se à volta e não se conhece o lugar onde se
está, como se alguém tivesse levado para local incerto as coisas que dão
sentido e orientação à vida. Ela amava-o e deixou de o amar. E uma pesada e
insustentável tristeza desceu sobre o coração dele.
Uma história como tantas outras, é verdade. Mas, perguntas
tu, meu amigo: que mistério profundo e impenetrável se esconde por detrás deste
nefasto acontecimento? Que ordem, lei ou acaso desenhou, fez acontecer e desfez
esta linda história de amor? Não sei, caro amigo. Ninguém sabe. O que quer que
seja que o motivou e o fez acontecer está envolto numa inescrutável obscuridade.
Pertence à mesma ordem de desconhecido que se vislumbra no céu nocturno, quando
nos interrogamos, sem esperança de resposta, sobre o infinito que desaba sobre
as nossa cabeças.
Salvador Peres
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